quarta-feira, 18 de julho de 2012

O silêncio e a palavra



Quebrar o silêncio
e depois recolher
os pedaços
testar-lhe o corte
o brilho
cego


(Ana Martins Marques) 




Quebrar o silêncio não é algo fácil, porém necessário. E o problema não está somente na produção do som; talvez a sua intensidade esteja alojada ainda mais funda, nos confins e contornos que o silêncio desenhou. Por isso, certamente, que com a tal quebra do silêncio, com a produção da palavra, muito do que queremos dizer não aparece de forma explícita, a intencionalidade primeira parece esconder-se por detrás de cada palavra dita, escrita – a intencionalidade é da ordem do silêncio. Provavelmente, esta seja uma das razões que justifique essa necessidade e desejo humano em querer dizer, mesmo em palavras não ditas. E para captar essa indizível, porém latente intencionalidade, o poema parece nos dar uma boa pista. Mas não é tão fácil quanto parece juntar os cacos do silêncio com a argamassa da palavra. Isso requer talento, sensibilidade e risco. Veja como faz o arguto arquiteto que, suficientemente habilidoso e espirituoso, traça os movimentos interpretados por sua percepção da vida, suportando os riscos das possíveis opacidades que seu projeto possa apresentar.  E a natureza da palavra parece carregar também certa dose de opacidade. E para comprovar esta constatação, basta apenas observar o quanto sua utilização pode suscitar mal-entendidos. A palavra nunca está sozinha, ela se avizinha e tece suas sombras com o colorido dos diversos sentidos que o contexto possa lhe oferecer. (Certamente por isso que a utilização da palavra seja um traço fundamental na definição do homem enquanto ser gregário, relacional, provisório e multifacetado).  Por esse motivo que na construção do sentido, a partir da quebra do não dito, as fissuras, as clivagens são por demais necessárias; elas que vão permitir ao outro o acesso à intencionalidade da palavra, vez que implícito está os seus muitos sentidos.  A trama interpretativa se dará, portanto, entre silêncio e palavra.  Às vezes, tenho a impressão de que a palavra em si, o que se nos apresenta empiricamente através do texto – falado ou escrito –, uma vez liberto do seu autor, tem o seu sentido deslocado, desconjuntado, possibilitando que, em sua viagem, incorpore diversas vozes, vários sons, outros tons. E a cor da palavra ficará ao gosto de cada intérprete, e o intérprete irá fazê-lo bem se bem auscultar o som inaudível do silêncio que intercala a palavra. A interpretação do silêncio produzido em palavra, ao que parece, necessita de um cálculo preciso e sensível – preciso no fazer e sensível no dizer.  Poder-se-á, assim, tecer o silêncio, selecionar-lhe o melhor remendo, tricotear por sua superfície, desafiar a fio o seu tecido difuso...

5 comentários:

  1. Texto muito bem escrito e inventivo. Parabéns, Adriano!

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    1. Para superar a ventura que tal elogio me causou, Vilma, só o teu blogue - marca da tua presença. Muito obrigado, querida.

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  2. Olá Adriano,
    O texto tá muito interessante! Tem uma peculiar que não resisti ... adoro textos reflexivos e dialogados, pois os mesmos nos traz recordações e vivências que são imprescindíveis para o nosso crescimento.
    Parabéns!

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  3. Quebrar o silêncio:
    É sempre um ato de ruptura. É transgredir. É estar contra a corrente das ações rotineiras que caminham junto à condenação da humanidade. É um ato belo, rico, corajoso. As suas conseqüências podem por vezes devastar, modificar a interpretação do outro sobre si, porém, e como você já sabe, esse ato me é muito louvável. Acho que vale a pena assumir esse “risco”. Felizes os que possuem a “sensibilidade” e o “talento” necessários para fazê-lo da forma mais doce possível. Talvez eu não os possua. Considerando que minhas ações e palavras são frutos de meu ser, fica difícil a existência de certa sutileza quando o que eles exprimem é avassalador.
    O texto é belo, rico, como já te disse antes. Caberá a saturação da leitura não apenas das palavras escritas, mas também do silêncio que existe nos espaços entre cada uma delas para que eu tente ser “uma boa intérprete”, visto que, “a cada intérprete”, eu já sou.
    A colcha de retalhos me parece um entremear de silêncio e palavra. Ora os pedaços são o silêncio e as lacunas entre linha e ar, são a palavra, ora essa associação é revertida.
    Você se permitiu, como disse a Ângela, ser inventivo. Essa é uma característica dos que ainda se permitem “sonhar”. Parabéns! Grande abraço!

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    1. Não poderia ter melhor presente, Sandra. Estou emocionado.

      Muito obrigado!

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